A pedagogia do amor é o slogan do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche, na 704 Norte. A proposta, porém, não é simples quando retirada do papel. Em 23 de maio de 2014, a escola cancelou a matrícula de um aluno de 11 anos, com Síndrome de Asperger, condição psicológica do espectro autista. Alegou “reiteradas condutas inadequadas por parte do autor” que geravam “insegurança no ambiente escolar”.
Depois da expulsão, no meio do ano letivo, os pais do aluno Amir Bliacheris iniciaram um processo contra a instituição de ensino, por danos morais. Na sexta-feira (4/12), o juiz Wagner Pessoa Vieira, da 5ª Vara Cível de Brasília, decidiu a favor do estudante e sua família. Condenou a escola, em primeira instância, a pagar R$ 20 mil em indenização. Ainda cabe recurso.
A família Bliacheris mudou-se de Porto Alegre para Brasília, em 2014, por causa do trabalho do pai de Amir, o servidor público Marcos Bliacheris. Eles já haviam morado na capital federal, anos antes, e conheciam o ensino do Colégio Logosófico. “O Amir já tinha estudado lá. A experiência tinha sido muito boa. Resolvemos matriculá-lo, só que dessa vez foi muito diferente”, relata mãe Brenda Bliacheris.
Amir não havia recebido diagnóstico de autismo quando foi matriculado, mas já tinha depressão infantil e exigia atenção especial. Teve desavenças cotidianas com colegas, como uma briga em um jogo de futebol. Percebia-se que tinha sensibilidade ao barulho e não regia bem às brincadeiras entre crianças.
A escola incluiu no processo que o Amir assustava os colegas, pois era muito grande. Eu e meu marido também somos muito grandes. Ele era um dos mais novos da sala. Agora ele tem culpa por ser autista e grande?"
Ele tem dificuldades de coordenação motora, mas professores exigiam que a letra dele fosse bonita. O garoto tentava. Apagava várias vezes a tarefa e refazia a escrita. Quando não conseguia o resultado esperado, perdia o controle. Depois, era chamado na direção.
Os pais contrataram uma equipe multidisciplinar para tratar o filho. Meses depois, terapeutas e psicólogos chegaram à conclusão de que Amir tinha Síndrome de Asperger. “Nosso filho foi rotulado como violento por conta de episódios isolados. Criaram um personagem intratável. Como se fosse uma ameaça a ser eliminada. Nunca lidaram com ele como um caso de inclusão. Nos oferecemos para pagar pelo acompanhamento de uma terapeuta, dentro da escola, mas a direção negou, disse que isso afetaria o ambiente escolar”, relata Brenda.
“Não havia nenhuma adaptação curricular para ele. A escola queria que ele se adaptasse, não buscou auxilio e nem aceitou o auxilio oferecido”, diz a mãe.
Além de expulsar a criança, o colégio enviou o nome dele para todos outras instituições privadas do DF. Ele não foi aceito em nenhuma outra rede de ensino"
Depois da expulsão, a família matriculou Amir em uma escola pública, na 102 Norte. Não houve problemas. Ele recebeu inclusive uma premiação como melhor aluno em história. “Os professores se esforçaram para recebê-lo da melhor maneira. Ele conseguiu se inserir e conquistou bom desempenho acadêmico. O que demostra que a negativa da escola anterior em aceitá-lo foi determinante”, afirma o pai, Marcos.
Hoje, aos 13 anos, ele vive em Porto Alegre. A família mudou-se de Brasília por não conseguir encontrar uma escola particular que aceitasse o filho. Ele frequenta o colégio em horário reduzido, devido ao trauma.
Foi um dano moral terrível para ele e para toda família. Amir ainda está sofrendo. A expulsão é uma marca que vamos carregar por muito tempo"
No processo, a advogada Adriana Monteiro baseou-se no Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina que toda criança tem direito à educação. Também usou trechos da legislação brasileira, de cartilhas do Ministério da Educação e citou casos semelhantes.
Na sentença, o magistrado entendeu que “ficou evidente que a instituição não promoveu as adequações necessárias à correta adaptação e inclusão do autor, nem mesmo lhe ofereceu a oportunidade, em conjunto com seus pais e psicólogos, de estabelecer uma orientação pedagógica destinada a satisfazer suas necessidades educacionais, enquanto pessoa com Síndrome de Asperger”. Constatou também que o desligamento abrupto da escola causou “lesão aos atributos de personalidade” da criança.
Os pais de Amir iniciaram o processo para servir de inspiração para outras famílias. “É muito difícil lidar com essa situação. Muitos pais culpam a criança pelo mau desempenho na escola, outros têm vergonha. É preciso lutar por direitos até o fim, não pode deixar para lá, por mais dolorido que seja. São esses passos de formiguinha que vão gerar uma mudança de mentalidade”, diz Brenda.
O Metrópoles procurou a direção da escola, mas recebeu a informação de que a equipe está de férias. Ninguém retornou as ligações. A reportagem também procurou o advogado da instituição no processo, que afirmou não poder se posicionar em nome do Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche.
Memória
Não é a primeira vez que uma família brasiliense ganha o reconhecimento da Justiça contra uma escola. Em 2010, uma professora mordeu aluno de 5 anos, na bochecha, em um colégio particular do Lago Norte. Segundo ela, teria sido a forma encontrada para separar uma briga entre a vítima e outra criança. A mãe da criança mordida iniciou ação na Justiça e recebeu indenização de R$ 30 mil, em fevereiro de 2015. A professora foi demitida após o escândalo e, em decisão judicial anterior, teve de prestar serviço comunitário num asilo. Na época, a direção tentou responsabilizar a criança, mas a culpa da escola ficou óbvia.
Não é a primeira vez que uma família brasiliense ganha o reconhecimento da Justiça contra uma escola. Em 2010, uma professora mordeu aluno de 5 anos, na bochecha, em um colégio particular do Lago Norte. Segundo ela, teria sido a forma encontrada para separar uma briga entre a vítima e outra criança. A mãe da criança mordida iniciou ação na Justiça e recebeu indenização de R$ 30 mil, em fevereiro de 2015. A professora foi demitida após o escândalo e, em decisão judicial anterior, teve de prestar serviço comunitário num asilo. Na época, a direção tentou responsabilizar a criança, mas a culpa da escola ficou óbvia.
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