7 DE MARÇO DE 2019
GABRIELA BANDEIRA
Ana Cecília Domingues Oliveira é formada em medicina pela Universidade Estadual de Montes Claros (MG). A jovem de 27 anos foi incentivada pela família de médicos a fazer o curso e tinha o sonho de se tornar pesquisadora sobre algum tema de seu interesse. Durante a faculdade, no entanto, foi surpreendida com um diagnóstico: autismo leve.
Esta semana o Portal Singularidades apresenta uma série especial com mulheres autistas em diversas fases da vida, para mostrar suas conquistas e sonhos além do espectro.
Mesmo tendo de enfrentar os desafios que o diagnóstico impôs e sem saber direito o que era autismo, seguiu em frente. Em março de 2018, realizou o sonho de concluir a faculdade.
“Foi uma batalha vencida. Sei que muitas outras virão, mas sinto que hoje sou muito mais forte”.
Busca pelo diagnóstico
Com dificuldades de comunicação desde que estudava na escola regular, Cecília conta que a busca pelo diagnóstico teve início quando entrou na faculdade.
“Comunicação e flexibilidade ao ambiente foram exigidos de mim, e eu não apresentava essas capacidades muito bem desenvolvidas. Estava apresentando diversas crises nesse ambiente de universidade. Acabei por desenvolver um quadro de depressão”, lembra.
Na época, um professor do curso chegou a avaliá-la e cogitou um possível quadro de síndrome de Asperger. No entanto, a jovem passou por outros especialistas, inclusive um psiquiatra de Belo Horizonte (MG), que confirmou a suspeita.
Ainda com 22 anos, Cecília afirma que não sabia muito sobre autismo. “Só passei a perceber verdadeiramente quando me explicaram sobre TEA (Transtorno do Espectro Autista). Foi então que passei a estudar muito sobre o assunto. Eu entendia que eu fosse diferente da maioria das pessoas pelo meu jeito de se portar, de ver o mundo, mas não desconfiava sobre autismo”, afirma.
Ela ainda reforça que saber o motivo de ser e se sentir diferente dos outros foi essencial para se conhecer melhor. O parecer médico e as terapias que se seguiram fizeram diferença em sua vida pessoal e profissional. “De início tive dificuldade de me aceitar como eu sou. Minha autoestima era muito baixa, pois não conseguia exercer as atividades da vida pessoal ou acadêmicas da maneira que outras pessoas conseguiam”.
“Apesar das dificuldade de início de diagnóstico, com o tempo e com a terapia passei a me aceitar mais e entender que o diagnóstico foi um fator importantíssimo para me aceitar mais. Passei a entender que aquela era a resposta que faltava em minha vida. Hoje sinto que sou alguém muito mais feliz”.
Enfrentando desafios
O entendimento da própria condição também fez com que Cecília se visse pronta a encarar algumas dificuldades durante o curso. Com sensibilidade aos sons e estímulos, ela conta que tentou se manter longe de comemorações e festas, mas fez questão de participar de todos os eventos antes da formatura.
“Quase sempre ia embora mais cedo dos eventos, antes mesmo de começar em si. Na época da minha festa de formatura já era alguém bem mais adaptada com ajuda das terapias. Fiz questão de participar de todos os eventos. Isso também foi uma grande conquista pra mim. Já que frequentemente eu estaria na minha zona do conforto, com meus assuntos de interesse, sem muitas companhias”, diz.
Ela também teve oportunidade de entrar em contato com outros autistas. As amizades que criou a ajudam a se conhecer. “Ter uma amizade com outra pessoa autista ajudou a me entender melhor e até entender o outro. Acredito que passando a me conhecer melhor através do diagnóstico e entender as relações humanas que ainda me são muito complexas me possibilitou conviver melhor e de forma mais saudável com as outras pessoas”, analisa.
Medicina e sonhos
Embora uma parte do sonho já tenha sido realizada, Cecília agora enfrenta outro desafio – conseguir uma residência em patologia. Para isso, fez uma série de avaliações em 2018 e aguarda a resposta do processo seletivo, que devem ser divulgadas até o fim de março.
“Espero poder conseguir entrar nessa residência esse ano. Tenho boas chances de poder realizar meu objetivo de especializar nessa área e me tornar uma pessoa mais independente realizada no trabalho e pessoalmente também”, conta.
Animada para iniciar a vida como médica, ela ainda fala como se sente sobre possíveis discriminações que possam surgir. Fã da série The Good Doctor, Cecília acompanha a trajetória do médico da ficção com um olhar mais realista.
“Existe essa possibilidade que talvez terei que enfrentar. O pré-conceito existe, e é por isso que temos que lutar duramente para que as pessoas possam conhecer cada vez mais sobre autismo. Assim permitimos que as pessoas com autismo tenham uma vida mais plena. Espero poder conviver bem com a sociedade geral e que ela também possa conviver bem com as diferenças, assim podemos construir um mundo melhor”, afirma.