Cobertura vacinal baixa colocou Ministério da Saúde e entidades médicas em alerta, nova campanha de vacinação está marcada para agosto
A funcionária pública Geny Barros 42, se orgulha ao repetir os relatos da mãe: aos seis meses, já era um bebê muito ativo, começando a engatinhar. A família vivia no interior do Mato Grosso do Sul, longe de um hospital ou de qualquer tipo de clínica médica.
Quando a criança teve febre muito alta, quem deu o diagnóstico foi o farmacêutico que vivia na região: meningite. Inconformado, o pai levou Geny para um hospital de Goiás e só lá os médicos puderam explicar por que a menina estava paralisada, só conseguia mexer o pescoço, ela tinha sido infectada pelo vírus da poliomielite.
“Eram os anos 1970, naquela época as pessoas não conheciam a doença”, conta Geny.
De volta para a casa, a família ajudou o bebê a fazer os exercícios ensinados pelos médicos, em poucos meses ela voltou a mexer os braços, mas os pés permaneceram virados para dentro. Segundo Geny, porque “a doença afetou a minha coluna, que ficou com o formato da letra S, meus pés nunca voltaram ao normal, nunca consegui caminhar”.
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De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a poliomielite é uma doença contagiosa, causada por um vírus que vive no intestino, chamado de pólio. Ela pode ser transmitida pelo contato com fezes infectadas ou por secreções expelidas pela pessoa doente os tossir ou espirrar.
O vírus se multiplica, inicialmente, nos locais por onde ele entra no organismo, pode ser na boca, garganta ou no intestino. Em seguida, vai para a corrente sanguínea e pode chegar até o sistema nervoso.
Na maioria das pessoas, o vírus causa apenas sintomas leves como febre e dor de garganta.
Casos como o de Geny, onde a doença desenvolve paralisia e causa sequelas permanentes representam cerca de 1%, mas já foram muito comuns no Brasil, principalmente no início do século XX, quando ainda não existia vacina, descoberta em 1953, os primeiros testes só foram feitos em 1955.
Doença pode voltar
A poliomielite está erradicada em toda a região das Américas há mais de 25 anos. No Brasil, o último caso foi registrado em 1990.
No mês passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a anunciar um possível caso em uma comunidade indígena da Venezuela, mas, dias depois, testes laboratoriais descartaram a possibilidade.
Mesmo assim, existe o risco de a doença voltar a fazer vítimas no Brasil. Na última quinta-feira (28), o Ministério da Saúde divulgou uma lista com 312 cidades onde a cobertura vacinal foi menor de 50% em 2017.
De acordo com o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, os baixos índices de vacinação representam “um risco enorme”.
“A vacinação é a única forma de manter a doença erradicada, ter cobertura inferior a 80% já é um risco enorme”, destaca o pediatra.
Kfouri explica que dificilmente a doença volte a fazer vítimas com o vírus selvagem, que está praticamente erradicado no mundo, com casos registrados apenas no Afeganistão, Paquistão e Nigéria, mas crianças não vacinadas podem ser infectadas pelo vírus vacinal.
Isto é possível porque existem dois tipos de vacina contra a pólio, a de vírus morto, injetável, e a de vírus vivo inativado — as famosas gotinhas.
Em crianças com menos de 1 ano que recebem a vacina com vírus vivo, “pode acontecer deste vírus sofrer uma mutação no organismo e se fortalecer, ou seja, recuperar a capacidade de infecção”, explica Kfouri.
Neste caso, a criança vacinada não vai ter a doença, mas as que não foram e convivem com ela, provavelmente vão.
Falta conscientização
Um dos principais motivos para a cobertura vacinal ter caído tanto nos últimos anos, segundo Renato Kfouri, é a falta de conscientização dos pais.
“Como não são registrados casos há muito tempo, existe uma perda da percepção de risco, as pessoas não lembram como a poliomielite pode ser agressiva. Uma companha de vacinação tem sucesso quando a doença está fazendo vítimas, quando isso não acontece, as pessoas perdem a noção do que a doença representa e acabam negligenciando o risco”.
De acordo com o médico, essa falta de percepção também afeta os profissionais de saúde, que acabam “não cobrando os responsáveis pelas crianças como deveriam”.
Para Geny, que enfrenta as consequências da doença todos os dias, é difícil entender por que os pais não vacinam os filhos.
“Na minha época não tinha vacina, mas hoje tem, é só levar no posto de saúde, é só uma gotinha, e é de graça”.
Nova campanha de vacinação
De acordo com a Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim), o esquema de vacinação contra a poliomielite deve ser iniciado a partir dos dois meses de vida, com mais duas doses aos quatro e seis meses, além dos reforços entre 15 e 18 meses e aos cinco anos de idade.
A média de cobertura vacinal no país está abaixo de 95% - que seria o ideal. Para levantar este índice, uma nova campanha de vacinação foi marcada pelo Ministério da Saúde e deve acontecer em todo o Brasil entre os dias 6 e 24 de agosto.