sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Cuidado com o assédio!
“Zente”, hoje vou tentar escrever uns três parágrafos, sem fazer graça porque o assunto é mais sério que atendente de laboratório de análises clínicas...
Empresas do Brasil todo estão mandando ver na contratação de gente sem perna, sem braço, que tropica de muletas, que puxa cachorro, que tem o escutador de novela afetado, que anda sentado, que é despombalizado’ de maneira geral.
Todo mundo está atrás de cumprir a lei de cotas e, ao mesmo tempo, promover a inclusão. Até que enfim, estão entendendo que a pluralidade de um local de trabalho só aumenta a criatividade, só melhora a produção. Ah, sim, também tem o medo de tomar uma baita multa, né?
Obviamente que comemoro essa conquista de todas as pessoas com deficiência que, com trabalho, conseguem dar um up em sua qualidade de vida, conseguem dar outro rumo a uma realidade até então de exclusão, consegue estabelecer condições de se firmar em sociedade.
Acontece, porém, que colocar uma pessoa “malacabada” em uma empresa consiste em aceitá-la com suas possibilidades e também limitações. Quem contrata um cegão, por exemplo, não poderá jamais exigir dele que analise uma obra de Salvador Dalí, nem que um tetraplégico participe da pelada de confraternização dos funcionários aos finais de semana.
Mas, por ‘incrível que parível’, há gestores exigindo de seus empregados ‘matrixianos’ que exerçam atividades com agilidade ou desenvoltura além do que, física ou sensorialmente, essas pessoas conseguem cumprir.
Todas as vezes que isso acontece, a pessoa com deficiência NÃO PODE se acuar. É preciso deixar claro que a função “xyz” envolve habilidades que o trabalhador não tem condições de desenvolver. É como mandar um administrador de empresas operar o cliente da próstata...
Tenho recebido muitas queixas de leitores relatando essa situação que, a meu ver, pode se configurar como “assédio moral”, sujeito às penalidades da lei, que pode incluir indenização por danos ao empregado.
Uma empresa que vai receber um cadeirante _contratado ou não pela Lei de Cotas_ tem de fornecer a ele condições de acesso em seus diversos ambientes, precisa ter ciência de suas reais capacidades e precisa coibir qualquer iniciativa que vise isolá-lo, rejeitá-lo ou que vai o expor ao risco em decorrência de sua deficiência.
Como já disse algumas vezes aqui, em meu trabalho aqui na Folha, sou eu quem sempre deixou claro os tipos de reportagens que, diante de minhas condições físicas, eu era capaz de produzir. Jamais me foi cobrado ou exigido um resultado que fugisse a isso.
Em um caso concreto, uma leitora que não quis se identificar, relata que a chefe do setor em que trabalha estava se negando a entender que ela precisava de um intervalo maior de almoço (ela só tinha uma hora). Muitas vezes, uma pessoa que faz “xixi pelo canudinho” (clica no bozo para saber o que é isso ), por exemplo, pode ficar até meia hora para dar conta do treco todo.
Bem, a situação da moça foi ficando tão aguda que a leitora, que é cadeirante, passou a sofrer perseguição no dia a dia do trabalho, com a gestora exigindo dela um esforço laboral além do que ela conseguiria cumprir.
Imaginem, por exemplo, uma pessoa que não tem os dois braços e digita com os pés, ok? Por melhor que seja o desempenho dela, digitar com as mãos PODE ser mais rápido, logo, colocar os mesmos limites, para funcionários de um mesmo setor, um com e outro sem deficiência não rola.
Isso não tem naaaaaada a ver com bairrismo, com proteção da “classe”. Tem a ver com lógica, com respeito às condições trabalhistas, com respeito às diferenças. A gente quer igualdade? Siiiim... mas isso não quer dizer que tenhamos de ser atropelados nas nossas particularidades físicas ou sensoriais.
Há casos em que a deficiência não irá impor nenhuma condição diferenciada para o trabalho. Mas há outros que sim. Seja qual for a condição, porém, trata-se de um trabalhador.
Pois bem, a leitora, que mora no interior de São Paulo, acabou sendo demitida. Ela, que não é boba, procurou seus direitos na Justiça. Na primeira decisão, que saiu neste mês, ela teve ganho de causa: quase R$ 60 mil de indenização + o seu posto de trabalho de volta.
Sim, o trabalho de volta. Apesar de pouquíssima gente saber, mas a lei garante à pessoa com deficiência, contratada pelas cotas, que sua demissão sem justa causa só poderá se concretizar quando a empresa colocar na MESMA FUNÇÃO, outra pessoa COM CONDIÇÕES semelhantes.
Antes de chegar a uma situação limite com seu chefe, no caso de uma discriminação, de um comportamento que vai contra suas possibilidades, não fique sofrendo sozinho, não fique doente. Bote a boca no trombone.
Se você foi contratado para ser advogado, mas está apenas servindo de peso de porta, de carimbador de papel, há algo muito errado e que precisa ser revisto, ser mudado. A nossa capacidade intelectual não está ligada a nossas habilidades físicas.
Não sou nenhum especialista em mercado de trabalho, mas entendo um pouquinho de “serumano”. Se a sua deficiência estiver falando mais do que seu talento, se estão exigindo mais do que seu físico ou seus sentidos podem dar contam, procure o RH da empresa, relate a situação ao superior de seu superior, deixe claro que está se sentindo desvalorizado, discriminado ou em casos mais extremos, assediado.
Por fim, digo que uma boa empresa precisa ter um planejamento mínimo _o que não envolve muita frescura_ para ter os deficientes em seus quadros. De forma geral, a inclusão rola super mega de boa e todo mundo sai ganhando _a empresa, o funcionário e a sociedade. Mas há também gargalos nesse processo que devem ser observados e reparados!
Bom final de semana e beijo nas crianças!
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