Por Antônio Diogo de Salles, advogado
“Nós, surdos, temos direito à preferência estabelecida em lei para os deficientes ou há razão para que as pessoas sem deficiência protestem por vindicarmos tal benefício? Em minha experiência de surdo pós lingual o que tenho sentido é que a maioria das pessoas aptas respeita as pessoas com deficiência apenas se esta estiver evidenciada. Ou seja, para a maioria só é deficiente a pessoa que possua limitações físicas de movimento e com dificuldades de visão quando o uso de equipamentos (não são apenas próteses) permite que se identifique a limitação.
Inaceitável esse remate.
A melhor definição de deficiência que conheço está na segunda parte do artigo 1º da CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM EFICIÊNCIA . Diz: “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação om diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
Logo, são deficientes também aqueles que não tenham evidenciada sua deficiência. À supressão das barreiras que podem obstruir a participação de todos os portadores de deficiência dá-se o nome de acessibilidade termo que, aliás, está bem em voga atualmente.
Acessibilidade, como se extrai do art. 9º da Convenção referida, é a possibilidade de viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, tendo assegurado o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e omunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural, com a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras em edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho e em informações, comunicações e outros serviços, nclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência.
Pois bem, em vários dos diplomas legais destinados a garantir a acessibilidade ou em cartazes indicando a existência desse benefício usa-se a expressão “preferência” e do entendimento desta vem muita confusão outorgando-se às pessoas sem deficiência o direito de cobrar quem esteja postulando a preferência e não exiba seu aleijão; como os surdos, por exemplo.
O móvel da cobrança é que as pessoas entendem que a preferência significa somente passar na frente dos outros e bem assim que o cartaz que indica o benefício, de regra, estampa somente o desenho do velho, da grávida e do portador de muletas.
Estão equivocados. Preferência se referindo deficiência não é isso e não será a iluminura que dirá quem são osbeneficiários. A preferência a que aludem as diversas leis é a demonstração de respeito e consideração a uma em relação a outras pessoas para nivelar o tratamento superando a desigualdade.
Aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam como disse Rui em sua “Oração aos Moços” ou auxiliar para superar as barreiras de modo a agir em condições de igualdade com os demais como vem do diploma internacional citado.
Preferência, portanto, não é passar na frente ou ser atendido antes e sim ser atendido com presteza, educação, compreensão por alguém capacitado a tanto: que leia o que o mudo escreve, que fale claro e devagar para o surdo faça leitura labial, que colha a identificação do maneta, que se incline para o cadeirante oferecendo-lhe meios para escrever, ou que guie e oriente o cego.
A expressão preferência utilizada em tantos estabelecimentos resulta da acessibilidade ou, em outros termos, a materializa. É, portanto, de todos os deficientes. Logo, à pergunta inicial respondo: sim temos, todos os surdos, direito a essa preferência.”
Fonte: CRÔNICAS DA SURDEZ
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