Por Cíntia Gemmo Vilani
O tema da sexualidade é uma questão complexa na sociedade brasileira, pelo fato do Brasil, mesmo sendo um Estado laico, ser influenciado por tabus e repressões sociais ligadas à ética religiosa cristã. Contudo, a sexualidade é um dos principais bens sociais que instiga os jovens a criarem uma esfera de autonomia individual relativamente à família primária.
A construção de um espaço particular na vida de um jovem, implica no estabelecimento de um relacionamento interpessoal, afetivo e sexual, constituindo-se um dos mais delicados e interessante aspecto definidor da subjetividade humana, embora, haja mais componentes de origem psicológica, biológica, social e cultural relativos ao processo de subjetivação.
A sexualidade é convencionada como derivada de um impulso, ou seja, trata-se de um processo dinâmico de interrelacionamentos e reconhecimentos de significados dos estados internos, organizando a ordem dos atos sexuais, decodificando situações, estabelecendo limites nas respostas sexuais e vinculando significantes de aspectos não sexuais da vida para a experiência sexual de fato.
Ao se estudar a sexualidade, existe a tendência de polarizar a sexualidade de uma pessoa com deficiência: ou ele é considerado ser hiperssexualizado ou assexuado.
Quando a sexualidade é ignorada, ou ainda negada, colabora para o surgimento de comportamentos sexuais inadequados. A negação da sexualidade e a infantilização colaboram para que o deficiente apresente dificuldades para se tornar mais independente, bem como para desenvolver sua sexualidade e estabelecer outros relacionamentos.
A sexualidade não está restrita somente ao coito ou ao erotismo, é um conceito amplo, uma maneira das pessoas tocarem e serem tocadas. A partir dessa perspectiva, a sexualidade influenciaria pensamentos, sentimentos, ações, interações, tanto fisicamente como mentalmente.
A vivência da sexualidade não é autônoma nem solitária, pelo contrário, está vinculada ao ser cognitivo e que imprime a ela uma intencionalidade que segue o movimento geral da existência.
Relato de uma vivência profissional
Atualmente, as questões da sexualidade do deficiente ganhou espaço no campo educacional, sendo a escola um local privilegiado para a reflexão e intervenção psicopedagógica deste tema. Dentre alguns temas que surgem na conversa entre aluno e professores, há a questão da Orientaão Sexual, tema deste trabalho.
Os pârametros curriculares do Ministério da Educação apontam a disciplina de Educação Física, na qual o uso do corpo e a tematização da cultura corporal são objetos de trabalho, como a mais adequada para se trabalhar a questão da Orientação Sexual, pois são os professores de educação física que transmitem em forma de conhecimento as informações sobre o corpo, as relações de gênero e interações com a sexualidade de si e do outro.
Trabalhar os conhecimentos sobre o corpo, assim como o desenvolvimento de práticas corporais, possibilita a formação de auto-cuidado e de construção de relações interpessoais, de modo que as questões referentes a sexualidade sejam integradas de forma prazerosa e segura.
Foi durante uma aula de educação física, justamente que um aluno com Paralisia Cerebral relatou a sua experiência sexual ao seu professor, a seguir um trecho deste depoimento (Nomes fictícios para preservar os envolvidos):
“Tive minha primeira relação sexual há um ano e meio. Local? Foi num bordel, meu primo que me levou, foi bom, muito bom. Família? Todos sabem! Hoje tá difícil, pois, sinto necessidade de voltar mas não tenho quem me leve.”
O tema da sexualidade surge quase sempre nas aulas de Educação Física da professora Lúcia* e seus alunos de uma instituição de ensino de educação especial. Seguindo as recomendações dos parâmetros curriculares, a professora Lúcia* têm trabalhado essa questão em especial e, principalmente, com seus alunos com Paralisia Cerebral.
Segundo relato desta professora, os alunos com este tipo de paralisia sofrem muito preconceito, por conta de suas deformações físicas e pelo fato da própria família, na maioria das vezes, não acreditarem que embora a paralisia prejudique alguns comportamentos e habilidades, a parte cognitiva destes alunos está preservada bem como seus desejos inerentes a qualquer adolescente e jovem, portador ou não de alguma paralisia.
Durante o relato de experiência sexual à sua professora, o aluno João contou com grande emoção como foi se sentir um “verdadeiro” jovem, tendo uma experiência considerada de jovens, sua primeira relação sexual, e passar a não ser tratado mais como uma criança pela sua família.
Um dos momentos mais marcantes, foi o momento em que o aluno João* relatou que sente o desejo de voltar a ter novas relações mas a dificuldade de ter alguém que o leve para o bordel e, em segundo lugar, o fato de que sempre que quiser ter esse tipo de satisfação terá de buscar mulheres de programa, pois, as “mulheres de verdade”, segundo ele, sentem medo, nojo de sua aparência e jamais irão querer ter um relacionamento sério com ele.
Através do relato desta vivência, percebe-se que o professor, pode influenciar de forma valiosa no que diz respeito à sexualidade do deficiente, pois, por ser um profissional da educação e a sexualidade por ser um tema transversal muito discutida, permite uma prática positiva.
O tema sexualidade em nossa cultura brasileira, como dito anteriormente, vem acompanhado de preconceitos, discriminações e com muitas discussões polêmicas.
Entretanto, a psicopedagogia propõe um enlace permitindo discussões sobre o tema, enfatizando que apesar das diferenças entre os deficientes, são capazes de aprender a desenvolver algum nível de habilidade social e conhecimento sexual, propondo assim o desenvolvimento do senso de responsabilidade de cuidados pessoais e de relacionamento com os outros.
Os filmes “Meu pé esquerdo” e “Gabby” retratam a experiência sexual de jovens com deficiência física, sendo um rico material para compreender-se a importância de uma relacionamento sexual/amoroso em sua dimensão psíquica, emocional, afetiva e social.
Fonte: DeficienteCiente
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