sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Cenário do turismo acessível no Brasil apresenta falhas e precisa avançar




O Prazer em Viajar entrevistou Ricardo Shimosakai, agente de viagens com grande destaque no Brasil por vender e articular as questões públicas relacionadas ao turismo acessível.

Enfrentando todos os obstáculos físicos e sociais, após sofrer um tiro durante um sequestro relâmpago que lhe deixou paraplégico, Ricardo buscou o seu resgate fazendo o que mais gostava: viajar.

Colegas com deficiência, admirando os seus registros e histórias das viagens, começaram a pedir informações e até mesmo solicitar um serviço mais elaborado.

A partir dai adotou o turismo como uma atividade profissional, buscou conhecimento, como a graduação em turismo e cursos de especialização na área e hoje representa o segmento turismo acessível nos principais eventos e dá o exemplo de que o turismo pode ser para todos. Confira a entrevista:

Como é a procura das viagens por pessoas com deficiência?
A demanda do turismo acessível no Brasil ainda não tem números expressivos, e a oferta de produtos ainda é baixa. Os brasileiros têm viajado bastante, porém mais para o exterior, onde a acessibilidade é mais evidente. Esse desajuste acontece em viagens particulares e, no caso do turismo de negócios e esportivo e feiras do segmento de acessibilidade, a procura é maior.

Na sua agência, a Turismo Adaptado, a procura é maior por turismo acessível?
O turista com deficiência quer ser bem atendido como acontece em qualquer segmentação do turismo. Quando se quer algo com mais qualidade, é normal procurar empresas especializadas no assunto desejado.

Na agência atendemos todos os públicos, deficiente ou não, pois praticamos a inclusão e, também, por uma questão de mercado, para ter mais fluxo de clientes. Atender pessoas com deficiência, e com qualidade, é um diferencial nosso, praticamente ainda inexistente no Brasil. A procura é grande, pelo próprio turista com deficiência, mas também por outras agências de viagens que recebem esses clientes, e não sabem o que oferecer.

Pensando em megaeventos como Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas, em 2016, o Brasil está preparado para atender turistas estrangeiros que precisam de atendimento especializado?
Não está, nem estará satisfatoriamente. O que aparece na mídia é muito bonito, afinal há pessoas encarregadas de promover o lado bom desses eventos, mesmo que não existam. Quem está mais informado e tem uma visão mais apurada sabe que há muitas falhas. Claro que nada é fácil, mas há muito jogo de interesses, má aplicação dos recursos disponíveis, falta de iniciativa, entre outras questões.

No ano passado eu tive que descer de um avião num procedimento de desembarque remoto, que é feito com o avião na pista. Eu e mais três pessoas ficamos esperando por mais de uma hora o ambulift (carro elevador) e isso atrasou todo o planejamento de vôo.

Copa do Mundo, Olimpíadas e Paraolimpíadas terão milhares de pessoas com deficiência, entre atletas e turistas. Se um cadeirante como eu traz um problema enorme no aeroporto considerado o melhor do Brasil, imagine o que enfrentará nesses próximos eventos.

O grande problema é que isso é totalmente previsível, e mesmo eu tentando implantar uma solução comprovadamente eficaz, os órgãos que têm o controle para mudanças no setor não dão abertura ou ao menos um apoio para que façamos mudança práticas e econômicas.

Quais os melhores destinos no Brasil exterior para quem deseja viajar com qualidade e segurança? Quais os destinos mais procurados?
A qualidade e a segurança dependem muito do que o turista espera ou necessita. As necessidades são variáveis de acordo com a pessoa, pois existem diferentes deficiências. Por isso, a Turismo Adaptado procura fazer um atendimento personalizado.

No Brasil fizemos um bom trabalho de preparação em Bonito e Foz do Iguaçu, e estamos realizando em outros para conseguir um bom nível de qualidade. Porém, isso não quer dizer que o destino esteja totalmente preparado, e sim que nós sabemos oferecer as melhores condições.

Ou seja, se um turista independente for a um desses destinos, pode ficar num hotel inacessível, e encontrar uma série de barreiras em seus passeios, porque não soube procurar os locais e serviços adequados.

No exterior, posso considerar Estados Unidos e Espanha como bons destinos, tanto no preparo para o turismo em si, como na questão da acessibilidade.

Quais os destinos que precisam ainda avançar em infraestrutura turística para receber pessoas com deficiência?
Há destinos no Brasil de grande importância no turismo internacional, que precisariam de muitos avanços, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, entre outros. Na verdade é mais fácil citar aqueles que estão preparados, pois a infinidade de locais que necessitam melhorar, mesmo em países genericamente considerados bons, é grande.

Então Buenos Aires, principalmente para brasileiros, deveria fazer um trabalho bem melhor, assim como Lisboa, Grécia e outros. Lembrando que se deve pensar em acessibilidade e inclusão, pois muitas vezes tornar um destino agradável à pessoa com deficiência é ter um atendimento de qualidade. Mesmo para quem necessita bastante de equipamentos de acessibilidade, o potencial humano do guia de turismo e toda equipe que irá atendê-lo, tem uma importância superior.

Quais as principais dificuldades encontradas por pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida em uma viagem? Os equipamentos turísticos estão preparados?
Muitas vezes somos “enganados” pela avaliação que muitos hotéis fazem de si mesmo, mas de forma errônea, e acabam se considerando acessíveis e passando essa informação aos hóspedes e agências de viagens.

Vejo uma grande falha da relação entre a acessibilidade e a informação dentro da área do turismo.

Dá para citar que falhas são essas?
Desde quem oferece produtos e serviços turísticos, que não sabem o que é realmente acessibilidade e inclusão e por isso não sabem oferecê-la; aos locais que possuem esses recursos, mas não informam e, acabam obtendo um resultado abaixo do esperado.

Dos centros de informações turísticas que sabem somente informar locais de interesse turísticos, mas não são capazes de dar uma orientação daqueles que possuem acessibilidade.

Muitos símbolos de acessibilidade estão colocados indevidamente em locais em que não oferecem esse serviço. Podemos encontrá-los nos banheiros das aeronaves, onde é impraticável sua utilização por pessoas fora dos padrões de “normalidade”.

Você viaja muito para destinos inusitados. Como é vencer as dificuldades e chegar a locais considerados tão altos e sem muita acessibilidade?
A deficiência em si já nos coloca muitas barreiras em nosso cotidiano e, quando passamos por dificuldades que os outros também estão acostumados, as dificuldades são maiores para nós e somos vistos como coitados. Mas quando fazemos coisas mais inusitadas, que fogem ao cotidiano da maioria das pessoas, elas passam a nos admirar e a nos dar mais valor.

Essas viagens tiveram um enorme sabor de vitória, pois significa lutar contra todas as adversidades para alcançar um objetivo. Além disso, essas experiências são tesouros que ficam para o resto de nossas vidas, e cada vez que me lembro, mostro as fotos, ou conto as histórias de minhas viagens, o prazer que senti é renovado.

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