quarta-feira, 6 de abril de 2016

O meu primeiro passinho




Gosto de pensar que ela sabia que aquilo para mim não seria jamais mais uma das tantas novidades de seu crescer, pois a danada, antes de partir para o mundo, agarrada nos braços da mamãe, olhou fixamente para mim e soltou um sorriso de encantar brutamontes. Sou capaz de dizer que uma onda de pensamento reproduzia a mensagem dentro de nossas mentes: “Olha isso, papai, é por mim e é para você”.





Cambaleante, descompromissada e frenética, minha Elis já ensaia o andar há uns três meses. Seguramente, em quase 11 viradas de calendário de vida, minha biscoita já caminhou com as próprias pernas e algum apoio bem mais do que eu, com 41 anos. É, tinha de começar bem cedo para requintar esta história.

Não guardo nenhum azedume por ser cadeirante desde que me entendo por gente, mas ver minha filha “firminha” no chão, em pé, trocando passinhos, me trouxe uma realização íntima cuja explicação satisfatória ainda procuro.

Talvez seja porque, finalmente, uma parte de mim, pelo que tudo indica, será capaz de decidir se quer correr ou não quando tocar o sino da hora do recreio na escola, se quer ir à Bahia e subir de carreira as escadarias do Senhor do Bonfim, se quer ir àquele show de rock, ficar no meio da galera, apenas pelo prazer de escutar uma de suas canções favoritas.

Elis não vai andar por mim, é claro. Sou eu quem andarei com ela, guardado dentro de genes, trejeitos e manias que de tão semelhantes aos meus nos fazem inseparáveis mesmo que, em algum momento, ela oportunamente diga “larga do meu pé, pai!”.

Realizar-se completamente e intimamente com uma ação realizada pelo outro me parece sinal de alguma evolução, de algum desprendimento que me foram presenteados com a paternidade e que eu nem imaginava que fosse possível. É um fenômeno que considero orgânico, muito mais que sentimental.

Nem que o Bolshoi russo fizesse um bailado especialmente para mim, com a emoção e perfeição de seus movimentos todos dedicados a mim, eu teria uma sensação tão complexa como a que sinto vendo os pezinhos gordinhos de Elis tateando um rumo em busca de nada além de boas gargalhadas.

Aos poucos, ela já começa a se virar sozinha à procura de estradas para trilhar seu destino. Por enquanto, ele não passa do atendimento ao chamado histérico da Galinha Pintadinha ou de uma outra canção que fala do anjo querubim. Atende também ao convite para passear no parquinho ou para qualquer lugar que se vá assim que alguém aciona a maçaneta da porta. É destemida, atrevida e astuta, do mesmo jeito que suponho serem os grandes andarilhos.

Pise firme por suas convicções de justiça, filha. Aperte o passo em busca de mais igualdade entre as pessoas. Ponha o pé nos protestos que melhor lhe convierem. Bata perna atrás de refresco para os pensamentos ou em busca de leveza para sua alma.

Espero que, por mais alguns anos, quiçá por algumas décadas, você tenha sempre à disposição o colinho do papai, sentado em sua cadeira libertadora que virou asas para conquistar a mamãe, livre para recebê-la para um descanso ou para ouvir um causo de seus inquietos passos.

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