sábado, 29 de janeiro de 2011

Entrevista - Humberto Alexandre

Aos 23 anos ele sofreu um grave acidente de carro.
Hoje, é um dos maiores palestrantes na área da acessibilidade.
Entrevista concedida a Flávio Peralta, do site Amputados Vencedores


Humberto Alexandre Genari tem 47 anos, é consultor, instrutor de aviação, professor universitário e palestrante. Criador do site melhorando pessoas. Nessa entrevista relata sua história de vida e como adquiriu sua deficiência. Trata-se de um homem com muita persistência e que não desistiu de viver.

No que consiste a sua deficiência?

Lesão Medular, toráxica, 5ª. vértebra – sem movimentos do meio do peito para baixo, sem sensibilidade, portanto necessidade da utilização de cadeira de rodas


Quando a pessoa adquire a deficiência em algum momento de sua vida é preciso reaprender muitas coisas para se adaptar à nova realidade. Em seu caso, qual foi a adaptação que você considera que foi a mais difícil para você?

Sem dúvida nenhuma é difícil a todos, entramos numa depressão e nos questionamos porque isso aconteceu com a gente. A necessidade de reaprender para um lesado medular, principalmente quando a lesão é alta, é enorme, tem de reaprender praticamente tudo, você perde o controle do seu corpo totalmente, não tem mais nenhum controle e isso faz com que nos sentimos incapaz. O controle das necessidades fisiológicas é o mais importante de tudo, quando conseguimos isso, ficamos mais confiantes e podemos ter atividades como qualquer pessoa. Faz 24 anos que adquiri a lesão medular nesse mês de janeiro e naquela época a reabilitação era bem diferente de hoje. Atualmente, quando uma pessoa adquiri a lesão medular é orientada em praticamente tudo e ensinam todo o processo que terá de fazer para ser independente. Antigamente era diferente mesmo porque o conceito de uma pessoa com deficiência também era, achavam que ficávamos em casa, sem fazer nada e essa foi a minha maior barreira. Lembro como era difícil ir nos lugares, tentar trabalhar e etc. Por isso, dou muito valor aos lesados medulares que ¨ainda vivem¨ com mais de 20 anos de lesão, pois, essas pessoas batalharam muito para hoje estar um pouco melhor a questão da acessibilidade.

Na sua vida profissional e amorosa você enfrentou muitas dificuldades?

Cite situações relacionadas à profissão ou ao amor que aconteceram contigo. Flávio aconteceram cada uma comigo que vc não imagina, mas antigamente era bem diferente. Para ter uma idéia, trabalhava sentado, mercado financeiro, usava apenas as mãos e o cérebro, diz, qual a diferença de estar sentado na cadeira fornecida pela instituição ou estar sentado na minha cadeira de rodas? A capacidade está no cérebro e não no corpo não é verdade? Mas infelizmente não me aceitaram. Vida amorosa é outra mudança que ocorreu muito nesses anos, antigamente uma mulher aceitava ficar com um homem na cadeira de rodas aceitando a possibilidade de ter de cuidar dele sempre, até que viram que não é bem assim. Para uma mulher cadeirante era infinitamente mais difícil encontrar um homem para namorar, pelo que vemos hoje, viu como as mudanças foram enormes. Mesmo assim, no século 21, para você ver como estamos, vou te contar a minha tentativa do último namoro. Conheci uma mulher, bonita, 35 anos, começamos a conversar e a achei interessante, após algumas saídas, sem rolar nada, resolvi falar com ela sobre um relacionamento e ela me veio com a seguinte pergunta: me tira uma dúvida, como é que você beija? Fala sério, acha que dá para continuar com uma mulher, MÉDICA perguntando uma coisa dessa? Minha resposta foi simples, respondi que beijo com o cotovelo e acredite se quiser, ela estranhou.


Após esse período de adaptação você deve ter enfrentado muitas situações complicadas, fáceis, difíceis e engraçadas. Tem algum fato ou um acontecimento que tenha te marcado após sua recuperação e que tenha a ver com sua deficiência?

Tem aos montes, tanto complicadas como engraçadas e conto algumas delas nas palestras que faço. Aliás, resolvi fazer palestras exatamente por isso, por percebei falta treinamentos médicos e profissionais da área da saúde na época com relação a pessoas com deficiência Não aceitava aquilo, como pode uma pessoa se formar para cuidar de uma pessoa e não sabe lidar com ela? Então resolvi dar um tipo de aula nas universidades para esclarecer as dúvidas e mostrar o que ainda ninguém conhecia. Para ter uma idéia, numa operação que fui fazer do intestino, solicitei que colocasse uma sonda para eu não ficar molhando a cama toda hora já que não tenho controle da bexiga. A enfermeira disse que só poderia fazer isso com a autorização do médico, oras, então peça a autorização a ele, eu não vou ficar numa cama me molhando e ficar pedindo toda hora pra mudar lençol. Não é verdade? E já tendo explicado a enfermeira que tinha lesão medular e não tinha controle da bexiga. Veio o médico, chefe da urologia falar comigo querendo saber o porque eu queria colocar a sonda já que era um canal aberto a infecções, expliquei o porque e a resposta dele foi simples: “veja bem, são apenas dois passos para você ir ao banheiro, não custa nada fazer esse esforço”. Olhei bem para ele e perguntei: “Dr. O senhor sabe o que é lesão medular?” Ele me respondeu que claro que sabia, era chefe da urologia. Então sugeri a ele que lesse um pouco mais sobre lesão medular porque ele ainda tinha muito que aprender. Conclusão, colocaram a sonda. Levei muitos foras de mulherada por estar numa cadeira, sem querer ser preconceituoso ou pessimista, namorei também muitas garotas e muitas não ficaram comigo por pressão da família dizendo que eu era um cara inútil, sem futuro e sem condição de manter uma família. Pois é, fazer o que?


Tem algum aspecto em especial na sua vida hoje que você percebe muitas mudanças e que você valoriza muito mais do que antes?


Sim, claro, na época que eu podia caminhar tinha um emprego excelente com um salário maravilhoso, mas não sei se era feliz. Foi difícil chegar aonde cheguei e faço atividades que amo fazer. Gosto demais do que faço mesmo com toda a dificuldade que encontrei. Não ganho tão bem como ganhava, mas a felicidade que sinto é muito maior e isso não tem preço. E, detalhe, me sinto muito mais capaz hoje do que na época que andava.

Quais foram as pessoas que mais te ajudaram e o que você gostaria de falar para elas?

Vou confessar uma coisa, não foram amigos que me ajudaram, todos daquela época sumiram, não sei onde estão ou que fazem. Família também some e apenas a mãe que esta sempre disposta a te ajudar. Agradeço mesmo a quem me socorreu, que nem sei quem foi, mesmo socorrendo errado salvou minha vida e aos profissionais que cuidaram de mim com empenho e vontade de me ajudar. A ex-esposa até tentou, mas o clima ficou péssimo e na época os filhos eram pequenos demais para ajudar, mas o carinho deles foi fundamental para eu acreditar que valeria a pena e deveria seguir em frente


Qual a mensagem que você gostaria de deixar sobre a questão da deficiência?

Hoje, está um pouco melhor do que há 24 anos atrás para uma pessoa com deficiência. A luta foi enorme e ainda falta muito, mas houve muitas conquistas, lei de cotas, portanto mais emprego, pessoas se capacitando tanto pessoas com deficiência como profissionais para cuidar dessas pessoas. A tecnologia avançou demais, equipamentos melhores e mais eficientes, mas falta uma coisa fundamental: a aceitação da pessoa com deficiência e isso depende única e exclusivamente das próprias pessoas. De nada vale a gente se capacitar, ser um excelente profissional e ser realizado profissionalmente, ser totalmente independente se as pessoas não aceitam as pessoas como elas são. Então está na hora de acabar com alguns paradigmas e começar a ver as pessoas pela sua capacidade e pelo seu coração e nunca pela sua condição.

Eu admiro muito você Flavio, pela sua honestidade e capacidade. São atitudes como a sua que fazem as pessoas verem o lado humano, o lado capaz que das pessoas. Infelizmente as pessoas taxam demais todo tipo de pessoas, ele é obeso, ele é idoso, ele é negro, ele é branco, ele tem síndrome disso ou daquilo, ele tem AIDS, ele mora em bairro pobre, ele é pobre, as pessoas não estão mais conseguindo ver a capacidade da pessoa e o sentimento que ela tem. Olham apenas a casca mesmo sabendo que vai enrugar, envelhecer e se acabar. Mas, a capacidade e o sentimento levamos para a eternidade, independente de como você é ou o que você possui. Obrigado pela oportunidade amigo e conte sempre comigo, abraços.

Instrutor Humberto Alexandre Gennari

Formado em Administração de Empresas, atua como palestrante há mais de 8 anos na área da saúde, ministra treinamentos em diversas universidades e empresas pelo Brasil.
Atualmente já palestrou para mais de 8000 alunos em 100 universidades diferentes.
Atua também como instrutor de empresa áerea e demais seguimentos.
Se especializou em palestras de motivação e atendimento à pessoas com deficiência, Através de sua deficiência física, utiliza de sua vivência ensiando a sociedade a saber lidar com diversos tipos de pessoas. Desenvolveu workshops para tratar da diversidade humana.
Desenvolve também consultorias de acessibilidade para diversos seguimentos.


Diretor de Relacionamento
humberto.alexandre@melhorandopessoas.com.br
http://www.melhorandopessoas.com.br/  

Veja abaixo o depoimento emocionante de Humberto para a novela Viver a Vida da TV Globo:




Colaborou: Flávio Peralta, do site AMPUTADOS VENCEDORES.

Um comentário:

FLÁVIO PERALTA disse...

Ficou excelente matéria Abraços Flávio Peralta
www.amputadosvencedores.com.br